segunda-feira, 30 de maio de 2011

MARCHA CONTRA CORRUPÇÃO NA ALEPA







Sociedade vai às ruas exigir punição dos culpados por roubos na Alepa









A Caminhada contra a Corrupção, pela Paz e pela Vida reuniu, ontem, mais de 15 mil pessoas no centro de Belém, segundo a Polícia Militar, no protesto contra a corrupção na Assembleia Legislativa do Pará. Organizações sociais, sindicais, religiosas, estudantis e alguns partidos de esquerda cobraram a instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o assalto milionário aos cofres públicos. A indignação popular foi expressa em faixas, cartazes, balões, bandeiras, panfletos, apitaço, batucada e trios elétricos. O ato foi organizado pela Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB) e teve o apoio das Organizações Romulo Maiorana (ORM).





O bom humor se expressou nas fantasias de fantasmas, matintapereira, Super-Homem, presidiários e até um boneco gigante do ex-senador Jader Barbalho (PMDB) algemado.





O bispo do Marajó, dom José Luiz Azcona, defendeu que os deputados estaduais entreguem os cargos em nome da moralidade. "Deputados, muitos de vocês perderam a credibilidade. O povo do Pará não aguenta mais vocês na Assembleia. Afastem-se! Caiam fora!", reivindicou Azcona. Para dom Azcona, o escândalo da Alepa é uma metástase cancerígena que deve ser extirpada urgentemente, do contrário o Pará não vai sobreviver.





Os deputados Edmilson Rodrigues (PSOL) e Carlos Bordalo (PT) foram os únicos integrantes da Assembleia a comparecer à manifestação. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, e da OAB-PA, Jarbas Vasconcelos, a senadora Marinor Brito (PSOL), o vereador de Belém Alfredo Costa (PT) e a cantora Gaby Amarantos engrossaram a voz nas ruas pelo fim da corrupção. Até os dirigentes seccionais da Ordem nos Estados do Maranhão e do Amazonas, Mário Macieira e Fábio de Mendonça, vieram à capital conferir a reação popular à crise de repercussão internacional.





A concentração para a caminhada se iniciou às 9 horas na praça Barão do Rio Branco, em frente à sede da OAB-PA. A caminhada começou uma hora depois e chegou às 11 horas em frente à Alepa. Faixas e cartazes foram pendurados nas grades do Legislativo como um recado aos deputados, incluindo um banner com as fotos dos parlamentares que ainda não assinaram a CPI. Militares da Cavalaria e do Batalhão de Choque guardaram o prédio. O protesto foi pacífico e plural. Não houve qualquer incidente ou ato de violência. Entidades como os movimentos de mulheres, negros, lésbicas, gays, transexuais e bissexuais (LGBT) e de luta pela moradia, pela vida e educação, entre outros, aproveitaram para defender causas diversas. Muita gente exibia a cara pintada e o nariz de palhaço, lembrando os estudantes que, junto com outros movimentos sociais, conseguiu o impeachment do presidente Fernando Collor de Melo em 1992.





Pedida prisão de Barbalho, Robgol e Juvenil





A população mostrou que não aguenta mais ser enganada pelos corruptos. Cada um dos mais de 15 mil participantes na passeata de ontem protestou à sua maneira. Francisco Pinto Soares, representante comercial de 48 anos, era um dos que mais chamava a atenção. Fantasiado com o tradicional uniforme listrado dos presidiários e com as fotos de Jader Barbalho, Robgol e Domingos Juvenil, ele deixou onde deveriam estar as pessoas envolvidas em desvio de dinheiro público. "O Jader é o professor da corrupção. O dinheiro que é roubado da gente falta para saúde, educação e segurança. Não só o Barbalho, mas Robgol e Juvenil deveriam estar dividindo cela com Fernandinho Beira-Mar", disse.





Um certo "Juvenil" apareceu na passeata. O educador Levyr Leal se fantasiou de ex-presidente da Alepa - peemedebista e braço direito de Jader Barbalho - acusado de comandar a maioria das irregularidades na Casa. "Estou na campanha ‘Ajude um deputado sem mandato’ porque eu tinha a mamata da Assembleia, mas agora eu não tenho mais de onde tirar", bricou Levyr, que mostrava "dinheiro" desviado dos cofres públicos. "Esse dinheiro é meu. Eu tirei da Assembleia, então agora é meu. Olha só os meninos que eu tenho para sustentar", dizia o educador, enquanto apontava para as pessoas fantasiadas de fantasmas.





Falcatruas na Alepa mobilizam políticos





Para a senadora Marinor Brito (PSOL), as falcatruas cometidas na Assembleia Legislativa - a maioria delas na gestão do peemedebista Domingos Juvenil - foi a gota d’agua e o que motivou os paraenses a saírem de casa para protestar. "Eu estou até emocionada. Isso simboliza a disposição que a população tem de querer combater a corrupção, virar uma página na política", disse.





O deputado Edmilson Rodrigues (PSOL), autor do requerimento que pede a instauração da CPI, parabenizou a OAB pela iniciativa e as ORM por ter prestado apoio. "Há algumas décadas que eu não vivia uma situação tão bonita. Tem o apoio não só de advogados, mas de jornalistas, empresas, entidades, movimentos de mulheres, igrejas. A corrupção é sanguinária, semeia violência, porque o dinheiro que é desviado deixa de ir para as escolas, saúde, educação, segurança. Por isso, combater a corrupção é um ato de cidadania", afirmou.





Carlos Bordalo, líder do PT na Alepa, partido que apoia a instauração da CPI, acredita que a sociedade precisa, cada vez mais, despertar para o peso e força que tem. "A democracia brasileira só será sólida quando a sociedade entender que é protagonista. Falta a população fiscalizar mais a conduta de seus representantes", disse.





Abaixo-assinado da OAB já teve 8 mil adesões





O abaixo-assinado elaborado pela OAB-PA, em que se pede a prisão e sequestro dos bens dos envolvidos no esquema de fraudes da Alepa, recebeu em torno de 8 mil assinaturas durante a passeata.





"Eu acho que do jeito que está não vai dar mais para continuar. O dinheiro que a gente está dando para as instituições públicas não volta em benefício para a gente. Temos que fazer alguma coisa", disse a assistente social Deane Silva, 29 anos. A coleta de assinatura continuará até o dia 10 de junho, quando o documento será entregue ao Ministério Público, que apura as irregularidades.





Márcia Lopes, 35, relações públicas, foi outra que resolveu apoiar a luta. "Primeiro por todas as questões que estão estampadas nos jornais. Eles se aproveitam de pessoas honestas, humildes. Eles têm que devolver o dinheiro roubado. Presos, infelizmente, acho muito difícil eles irem. A nossa lei tem muitas formas da pessoa recorrer", lamentou.





A sede do Psol, localizada na travessa Vileta, 1957, no Marco, está funcionando como ponto de apoio para coleta de assinaturas, informou a senadora Marinor. "A solução para corrupção é cadeia. Não existe outra forma de acabar com essas redes de corrupção que se instalaram nas instituições brasileiras", disse.





"O Pará não merece esse tipo de gente", diz ophir





"Este é um ato cívico de cidadania em que o povo do Pará diz basta à corrupção. O dinheiro conquistado pelo trabalhador, de sol a sol, foi parar nos bolsos dos corruptos. O Pará não merece esse tipo de gente. Para ser respeitada, é necessário que a sociedade continue a gritar para que aqueles que estão no Poder não esqueçam que o proprietário do cargo público é o povo", destacou o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante.





Na caminhada, o presidente da OAB-PA, Jarbas Vasconcelos, defendeu que o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Pará seja "o primeiro a sofrer as consequências impostas pelo rigor da lei". "Ele não pode dizer que não sabia (das fraudes que aconteciam na Casa). Se não sabia, estava sendo usado. Vai ter que pagar por isso", cobrou.





Vasconcelos também criticou, em entrevista coletiva, que um jornal do Pará "não apoiou a caminhada e não quer que se apurem os fatos gravíssimos da Assembleia". Ele contestou, ainda, as críticas do advogado Américo Leal sobre a iniciativa da Ordem em realização o ato público. "A OAB é maior que eu e que qualquer advogado. Todo advogado tem um cliente e o cliente da Ordem é a sociedade". Leal é defensor de duas das envolvidas nas fraudes da Assembleia.





Irmã vê de perto o sofrimento do povo





"A gente vê de perto o sofrimento do povo, lama e violência nas ruas, a juventude abandonada", lamentou a irmã Alaíde Baldoni, da Conferência dos Religiosos do Brasil. O padre Cristiano Muffler, da Paróquia Santa Edwirges, no conjunto Panorama XXI, disse que o protesto foi a semente da reação popular que já ocorre no norte da África, no Egito, Países Árabes e Líbia: "No Brasil, não se precisa partir para a violência, mas é necessário reagir".





"Temos uma luta contra o conservadorismo e a corrupção. Foi essa corrupção que fez com que a presidenta Dilma Rousseff retirasse os kits contra a homofobia das escolas, devido às articulações com a bancada evangélica", criticou Simmy Larrat, do Grupo de Resistência dos Travestis e Transexuais da Amazônia (Greta) e liderança do Movimento de Lésbicas, Gays, Bisexuais e Transsexuais (LGBT).





Edilson Oliveira, do Movimento pela Vida (Movida), levou fotos de pessoas assassinadas, como o irmão dele, Valdemir Silva Oliveira, que era investigador de polícia e foi morto dentro da Delegacia de Altamira por um colega. "A corrupção na polícia só aumenta a violência".





Cantora solta a voz em defesa de direitos





A cantora Gaby Amarantos cantou o hino nacional no alto do trio elétrico, ainda na concentração. "É minha obrigação estar aqui, como cidadã, artista e formadora de opinião. Me preocupa o analfabetismo político da população. A gente tem que lutar pelos nossos direitos", defendeu.





O vereador Alfredo Costa (PT) disse: "Os vereadores têm que estar presentes nas mobilizações sociais, que são um meio de transformação". Para ele, é possível que, com a manifestação de anteontem, mais deputados apoiem a CPI para apurar os crimes na Alepa.





"Não podemos deixar o trabalhador arrochado com impostos e o nosso dinheiro saindo pelo ralo. Isso nos indigna. Queremos que o nosso dinheiro seja tratado com respeito", cobrou o presidente da Força Sindical e do Sindicato dos Metalúrgicos do pará (Simetal), Ivo Borges.





A dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado do Pará (Sindsaúde) Miriam Andrade lamentou que o desvio de conduta de alguns servidores públicos prejudiquem a imagem de toda a categoria junto à opinião pública. Ela defendeu que a luta pela ética na política seja constante.





Já o coordenador da Rede Voluntária de Educação Ambiental, Evandro Ladislau, lembrou que corrupção significa menos recursos para investir no desensolvimento social.





Quase 100 entidades se manifestaram





O desvio de recursos na Aepa em detrimento das necessidades de investimentos públicos em benefício da sociedade foi a tônica dos discursos das lideranças das quase 100 entidades que participaram da caminhada. "O povo tem que ir para a rua gritar contra a desmoralização do nosso Estado. Enquanto eles (corruptos) estão com o bolso cheio, o povo passa fome", disse Mametu Nangetu, do terreiro Nangetu. "De um lado, uma quadrilha lucrando milhões por mês; e do outro, o povo sofrendo.





A desculpa para não investir na Uepa (Universidade do Estado do Pará) foi sempre a falta de recursos, mas estava sendo tudo desviado", disse o dirigente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Pará (UFPA), Rafael Saldanha.





Centrais de trabalhadores, sindicatos, movimentos de defesa dos negros, das mulheres, gays, organizações populares, da luta pela moradia, o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e entidades de classe e religiosas estavam entre as instituições presentes à caminhada.





Jornalista denuncia "mensalão do PMDB"





O jornalista Fernando Gualberto diz ter uma nova denominação para as irregularidades cometidas no Poder Legislativo paraense durante a gestão de Domingos Juvenil. "Por que não chamam essa falcatrua e mensalão do PMDB?" questiona.





"A população está cansada de ser enganada todos os dias por bandidos que usam discursos demagógicos para chegar ao poder depois de terem cometidos os atos mais insanos", declarou o aeronauta Bruno Toscano, de 38 anos.





A atriz Maria Borges resolveu representar a Matinta-Perera. "É uma forma de protestar não só contra a corrupção, mas contra o descaso com o meio ambiente e pelas pessoas que morreram assassinadas", disse.





Para o advogado Guto Coutinho é fundamental dar uma "sacudida" para que a sociedade se manifeste e mostre repúdio a situações em que agentes públicos são flagrados envolvidos em irregularidades e desvio de dinheiro público. "Essas irregularidades levam ao aumento da miséria, das injustiças sociais. A população precisa criticar, denunciar não só a corrupção dos agentes, mas dos sonegadores", avalia.





Crianças aprendem a exercer cidadania





Crianças de todas as idades participaram do protesto. A professora de uma escola de Igarapé-Açu, Vânia Paz, levou as filhas, Evelly, de 4 anos, e Thais, de 10. "É o futuro delas. Se a gente não tomar nenhuma iniciativa, o que será delas no futuro? Quando a gente saiu de casa elas já queriam vir com a gente. A gente procura ensinar desde cedo que elas precisam ir atrás dos direitos que têm", disse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário